Da cultura ao meme

Cultura é um dos conceitos mais abrangentes e fundamentais da vida em sociedade: ela molda nossos comportamentos, valores, rituais, linguagem, leis e até nossa percepção da realidade. Presente tanto nas práticas mais cotidianas quanto nas expressões mais sofisticadas do pensamento humano, a cultura atua como uma lente coletiva através da qual o mundo é interpretado. O artigo Da cultura ao meme explora diferentes visões sobre o que é cultura — da antropologia à filosofia, da etimologia latina à disputa simbólica contemporânea, conectando essas abordagens a fenômenos sociais, políticos, tecnológicos e individuais que revelam sua força estruturante e, ao mesmo tempo, sua constante transformação.

Mas, além do artigo da cultura ao meme, aqui no blog também temos diversos outros artigos sobre kubernetes, desenvolvimento, gestão, devops, etc. Veja alguns exemplos: Diferenças entre Paradigmas, Axiomas e HipótesesDesenvolver na empresa ou comprar prontoFuja da otimização prematura, entre outros.

Visão antropológica da Cultura

Cultura é o conhecimento, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo ser humano enquanto membro da sociedade.

Edward Tylor, 1871

Essa frase-conceito marca o nascimento da disciplina antropologia. Ela engloba toda a dinâmica do pensamento de um povo, visão jurídica, filosófica, mitos fundadores, normas, crenças. E por filosofia estou falando da moral, da política, da estética, do conhecimento, linguística e de tudo que envolve. Portanto estou falando de um dos conceitos mais profundos e poderosos da vida em sociedade, uma vez que a própria ideia de filosofia está abarcada nele e não necessariamente o contrário.

Da cultura ao meme

Veja que as leis, por exemplo, só fazem sentido real dentro de uma cultura em si, considerando as particularidades daquele convívio. O sacrifício humano, por exemplo, era algo válido para culturas antigas e cabia dentro das leis daqueles povos, mas que para a cultura brasileira seria inaceitável. Veja que a cultura fornece uma fundamentação simbólica para vida em sociedade.

A Visão Romana sobre Cultura

Já na visão de Roma, a palavra cultura está ligada ao cuidado e cultivo. Inicialmente relacionada à agricultura, mas que se expandiu para o cultivo de conhecimentos e valores. Podemos dizer, de alguma maneira, que há uma visão da dimensão do espírito de um povo.

Note que há grande conexão a percepção do Taylor, em especial quando pensamos nos alimentos. Nas sociedades antigas o cultivo de um trigo, por exemplo, moldava as vestimentas, as festividades, os adornos, técnica, rituais, relações de poder e todos os outros símbolos de um povo. Não é errado dizer que a cultura, segundo a antropologia, tem relação direta com o alimento e o espírito de um povo. Veja que moro atualmente na cidade de Petrópolis, que é uma colônia alemã. Aqui todo ano há uma festividade chamada bauernfest (festa do colono alemão) onde há música típica, danças, alimentos, roupas, etc. voltados para ao que entendemos por cultura alemã. Trata-se resistência simbólica através de uma espécie de Oktoberfest local e menor.

Mito fundacional

Um mito fundacional é uma narrativa simbólica que dá origem e sentido a uma cultura, povo, instituição ou tradição. Ele não precisa ser historicamente verdadeiro — seu valor está na capacidade de oferecer coesão, identidade e um propósito coletivo. Esses mitos estabelecem marcos inaugurais: contam como algo começou, por que certos rituais existem, qual é a missão de um grupo ou qual é o seu destino. Eles estruturam o imaginário coletivo e criam uma base simbólica que legitima práticas, normas e valores. O mito da fundação de Roma por Rômulo e Remo, por exemplo, nunca precisou ser literal para cumprir seu papel cultural.

Mitos fundacionais continuam a existir, mesmo em sociedades modernas e supostamente racionais. A independência de uma nação, a origem heroica de uma empresa, ou mesmo a figura visionária de um líder são constantemente apresentados de forma mítica, com omissões, exageros e símbolos cuidadosamente escolhidos. Esses mitos não apenas contam uma história — eles criam um modelo de conduta, dizem quem somos e o que devemos preservar. Por isso, questionar ou reinterpretar mitos fundacionais é muitas vezes um ato político ou revolucionário.

Cultura erudita e popular

A França iluminista estruturou uma visão hierarquizada de cultura: de um lado, a cultura erudita, filosófica, refinada; de outro, a cultura popular, vista como menor. Essa distinção ainda persiste, muitas vezes sob novas roupagens. A cultura erudita, por vezes, preserva reflexões filosóficas importantes mas que podem se afastar da realidade da população em geral, como um mictório do Duchamp. Ayn Rand, por exemplo, critica esse distanciamento abstrato.

Já a cultura popular, quando livre e autêntica, é identidade. Mas quando capturada por incentivos artificiais (como políticas públicas seletivas ou marketing de massas), ela se torna produto. Funk, sertanejo universitário, séries da moda: onde termina a expressão e começa o interesse meramente mercadológico?

Cultura enquanto espaço de disputas

Mikhail Bakhtin afirmou que “todo signo é ideológico”. Veja que já tive um blog com esse nome, sobre essas temáticas mais filosóficas, mas deixei de lado para me focar em artigos de TI. Esse artigo fura essa bolha por ter o objetivo de conectar filosofia/antropologia a administração/TI, mas vamos com calma.

Para Bakhtin um signo é a mistura de um significado com um significante. Por exemplo, veja a imagem a seguir. Ele é um significante, ou seja, algo que pode ter significado. Já o conceito “vasilhame onde se pode armazenar líquidos para consumo, ou copo” é um significado. A junção desses dois (significado e significante) cria em você algo único em você que chamamos de signo.

Da cultura ao meme: imagem de um copo.

Para algo concreto é muito simples de compreender e julgar como bobo. Mas essa ideia também pode ser utilizada em termos mais abstratos, como poder, amor ou posicionamento político. Como exemplo, veja o significado de esquerda e direita na política. Se você perguntar para um esquerdista ele te dará uma resposta potencialmente diferente de um direitista. Isso acontece porque há uma competição acirrada pelo significado desses significantes.

Note que estou falando disso para evidenciar que dentro da cultura há símbolos e signos estabelecidos ao mesmo tempo que há uma arena sangrenta onde eles são ressignificados a todo momento.

Subculturas e bolhas

Vale destacar que vivemos em bolhas. Nesse ano de 2025 isso é muito claro ao usar redes sociais que, com isso, estabelecem grupos cada vez mais específicos. A cultura tem elementos filosóficos próprios que não necessariamente precisam estar compreendidas nas divisões físicas de países, como era o mais natural no passado. Mas, por exemplo, grupos de pessoas em países distintos que programam em Java há mais de 20 anos, podem acreditar que os novatos precisam dar o sangue para serem bons, estabelecendo, assim, uma moral e valores particulares.

Quando falei sobre cultura erudita e popular, de certo modo, é a mesma coisa. Ambos vivem na mesma sociedade e absorvem elementos culturais iguais, mas há elementos específicos, distintivos que os separam em subculturas.

Da cultura ao meme

O conceito de meme foi criado por Richard Dawkins, em O Gene Egoísta (1976), ao observar paralelos entre biologia e cultura. Para ele, memes são unidades culturais replicáveis — ideias, gestos, melodias, expressões — que se espalham conforme sua capacidade de sobrevivência simbólica. Um meme não se espalha por ser verdadeiro, mas por ser culturalmente eficaz. Ele é a mutação simbólica mais bem adaptada aquele momento específico. Isso nos ajuda a entender fenômenos virais, gifs, modas e até slogans políticos.

Coletivo e indivíduo

Cultura tende a generalizar. É uma maneira prática de compreendermos sociedades às quais não pertencemos: “os japoneses são assim”, “o brasileiro é assado”. Mas essa simplificação , que embora útil em certa medida, esvazia o indivíduo e pode gerar ruídos e preconceitos baseados em estereótipos. Já o indivíduo, por sua vez, não é apenas um produto da cultura. Ele também a questiona, modifica, ressignifica a cultura que vive.

Esquemática da filosofia e cultura

Para consolidar todos os pontos comentados construí um esquema que de um lado vê o indivíduo e do outro o coletivo. O indivíduo tem preocupações particulares com os cinco campos fundamentais da filosofia. De algum modo o indivíduo, com ou sem repertório acadêmico, tem formas de pensar em todas as temáticas que levantei. Os campos são: Epstemologia (estudo do conhecimento), ética, política, estética, metafísica e lógica.

Esquema que relaciona a indivíduo e os campos fundamentais da filosofia com o coletivo e os elementos que formam a cultura.

Do outro lado temos a visão do coletivo que se estabelece por normas e leis, crenças e dogmas, costumes e hábitos, símbolos e signos. A cultura é essencialmente coletiva, mas formada pelos indivíduos. os indivíduos são afetados pelo como é a cultura ao mesmo tempo que ele afeta a cultura.

Por fim temos o mito fundador que é criado e mantido pela cultura numa competição constante pelos símbolos e seus significados, costumes, crenças etc. Tudo isso, de alguma maneira, forma a cultura.

Conclusão da cultura ao meme

Compreender a cultura é reconhecer que vivemos imersos em um tecido simbólico em constante movimento, onde ideias, práticas, mitos e valores se entrelaçam, disputam espaço e se ressignificam. Longe de ser algo fixo ou puramente tradicional, da cultura ao meme: ela é dinâmica, contraditória e viva — ela tanto nos forma quanto é transformada por nossas ações. Ao longo deste artigo, percorremos diferentes visões — da antropologia clássica à teoria dos memes, da noção de cultivo romano às arenas ideológicas de Bakhtin — para mostrar que a cultura não é apenas um espelho da sociedade, mas também um campo de forças, um espaço de criação e de poder. Entender isso é essencial para navegar com mais consciência entre bolhas, narrativas, símbolos e escolhas que, diariamente, moldam quem somos.


Thiago Anselme
Thiago Anselme - Gerente de TI - Arquiteto de Soluções

Ele atua/atuou como Dev Full Stack C# .NET / Angular / Kubernetes e afins. Ele possui certificações Microsoft MCTS (6x), MCPD em Web, ITIL v3 e CKAD (Kubernetes) . Thiago é apaixonado por tecnologia, entusiasta de TI desde a infância bem como amante de aprendizado contínuo.

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